A Petrobras divulgou no último dia 24 um recorde de produção diária de petróleo no campo de Búzios que não confere com os dados de produção que a empresa envia à Agência Nacional do Petróleo (ANP). De acordo com uma nota distribuída à imprensa pela companhia, Búzios teria atingido um recorde de produção diária de 800 mil barris. Os dados da ANP, porém, mostram que a produção no dia 24 de fevereiro foi de 668 mil barris (incluindo o campo anexo de Tambuatá, sempre divulgado em conjunto pela empresa). Não chegam aos 800 mil barris divulgados.
Questionada, a Petrobras afirmou que a discrepância se dá porque o dado divulgado na verdade corresponde ao “potencial de produção equivalente” – em linguagem leiga, quer dizer que em algum momento do dia a vazão do poço teve um pico de 800 mil barris, mas logo depois voltou ao normal. Isso, porém, não foi informado no anúncio. Só depois das perguntas da reportagem a empresa revelou que se tratava de um pico de vazão e não da produção diária do poço. A Petrobras também nunca tinha divulgado esse dado antes em notas ou comunicados ao mercado.
O “potencial de óleo equivalente” também não é um indicador usado para medir a produção diária da empresa – e nem fica armazenado na ANP, porque é apenas o retrato de um momento. Assim como há picos de alta produtividade, também há momentos em que a vazão cai bastante (como mostra o próprio gráfico daquele dia na foto que acompanha essa reportagem). A vazão é relevante para entender como os poços estão operando, mas não serve como indicador de mercado
O que a ANP considera oficialmente é a produção diária total.
Naquele dia, porém, a presidente da empresa, Magda Chambriard, a diretora de exploração e produção, Sylvia dos Anjos, e o gerente-executivo Wagner Victer foram até o centro de operações para tirar uma foto no momento em que o pico de vazão foi atingido. A imagem, reproduzida acima, foi postada na rede interna da Petrobras. No Linkedin, Magda escreveu: “ Como já disse, estamos produzindo 800 mil barris por dia em Búzios!”
Dois dias depois do anúncio, em 26 de fevereiro, a Petrobras informou ao mercado um prejuízo de R$ 17 bilhões no quarto trimestre e uma queda de 70% no lucro anual, que ficou em R$ 36,6 bilhões.
Na teleconferência com analistas, Magda atribuiu o lucro menor ao gasto feito para antecipar a entrada em operação da nova plataforma de Búzios. “Embora leve algum tempo para nós atingirmos a produção máxima desse campo, nós já conseguimos que Búzios alcançasse a marca de 800 mil barris por dia, graças ao início de produção dessa FPSO que nós antecipamos, que é a FPSO Almirante Tamandaré, como eu mencionei”.
A divulgação do suposto recorde diário, portanto, ajudou Magda a dar ao mercado uma notícia boa para amenizar a notícia ruim.
A informação sobre os 800 mil barris diários não chegou a ser distribuída como fato relevante ou comunicado oficial ao mercado – mecanismos exigidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para a distribuição de informações que possam impactar o valor de mercado da empresa na bolsa. Mas foi distribuída à imprensa e amplamente reproduzida em diversos veículos de mídia.
Búzios é o segundo maior campo do Brasil e a maior aposta da Petrobras para aumentar a produção de petróleo nacional. Na teleconferência com analistas, Magda também prometeu que Búzios chegará a produzir 1 milhão de barris diários no segundo semestre deste ano. A meta é chegar aos 2 milhões de barris até 2030.
Em nota enviada à reportagem, a empresa diz que o fato de o recorde de produção em Búzios ter sido divulgado às 14:02 torna evidente “que o dado noticiado não poderia se referir à produção média diária daquela data, uma vez que ela só é totalizada ao final do dia”. Mas não respondeu por que não informou que se tratava da vazão e não da produção.
E afirmou também: “Conforme já informado, há formas distintas de se verificar a produção de um ativo de petróleo e gás. Para a aferição do recorde de 800 mil barris por dia em Búzios, a Petrobras utilizou métrica comumente utilizada pela indústria de petróleo, que considera a referência instantânea da produção, verificada de forma online, por meio de sensores que monitoram em tempo real todas as plataformas e poços do campo de Búzios”.
Após a publicação da reportagem, a Petrobras enviou nova nota defendendo a utilização técnica do referencial e sua divulgação para a imprensa.
“Quando se rompe a barreira de produção de 800 mil, se demonstra que aquele campo está apto a ofertar aquele nível de produção”, destacou a companhia.
Autor/Veículo: O Globo